"Há um renovado interesse pelas questões religiosas e, ao mesmo tempo, um crescente distanciamento de algumas pessoas para com a igreja institucional. Temas religiosos estão em voga, mas cada vez mais é visível a perda do "controle" das igrejas sobre a vida, o pensar e a prática dos fiéis. Não poucos repudiam doutrinas, dogmas e princípios cristãos, porém, querem ser vistos como espiritualmente desenvolvidos e ativos. Mas, afinal, a espiritualidade está em alta? O elevado número de programas religiosos na TV e rádio nos fazem pensar isso.
Espiritualidade, como defini-la?
Talvez pudéssemos dizer que existem palavras fracas, médias, fortes e até fortíssimas, isto é, palavras que são consistentes, densas, complexas, abrangentes, com significado variado e até dúbio. Enfim, existem palavras que dizem muito e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, quase não dizem nada. Pois é assim que percebo, ouço e reflito quando me defronto com essa palavra multifacetada: espiritualidade. Seria sinônimo de religiosidade?
Penso que não convém tentar historiar etimologicamente este termo tão presente no quotidiano do ser humano, pois a grande questão é como entender esta palavra "mágica" – espiritualidade, que quase sempre é bem acolhida, apesar de sua ambiguidade.
Seria a espiritualidade o oposto do materialismo, ateísmo? Superstição é espiritualidade? Em assuntos espirituais, tudo é relativo, subjetivo e nada é absoluto e definitivo? Qual a diferença entre espiritualidade antropocêntrica e teocêntrica?
Essas e outras perguntas precisam ser pensadas e analisadas para tentarmos discernir e identificar as diferentes formas e expressões da espiritualidade humana.
Manifestações da espiritualidade
A rigor, só existem duas formas de espiritualidade: uma sai do homem (mundo) para o alto (deuses, divindades) e a que parte do Único Deus em direção ao ser humano. Babel foi a tentativa antropocêntrica (homem centro), e Natal e Pentecostes são ações graciosas de Deus em favor da criatura amada em Cristo (teocêntrica – Deus centro).
Em Atos 17.22-23, lemos: "Então Paulo ficou de pé diante deles, na reunião da Câmara Municipal, e disse: - Atenienses! Vejo que em todas as coisas vocês são muito religiosos. De fato, quando eu estava andando pela cidade e olhava os lugares onde vocês adoram os seus deuses, encontrei um altar em que está escrito: "AO DEUS DESCONHECIDO". Pois esse Deus que vocês adoram sem conhecer é justamente aquele que eu estou anunciando a vocês".
No seu comentário, Paulo reconhece que os atenienses são muito religiosos e que criam em um desconhecido poder superior: o "Deus Desconhecido". Depois, identificou esse poder superior como o Criador, o Senhor de tudo, o Pai de todos, o que ressuscitou a Jesus, o Salvador e o futuro Juiz. Graças a Jesus Cristo, podemos conhecer a Deus pessoalmente. Não temos de buscar um poder superior anônimo ou desconhecido para que nos ajude. Podemos confiar em um Deus poderoso, amoroso e pessoal.
Os atenienses tinham medo, pois, caso esquecessem de cultuar esses deuses desconhecidos, sofreriam castigo. Eram religiosos, espiritualizados, mas não conheciam o Deus verdadeiro.
E o homem pós-moderno, hoje, é muito diferente? É religioso, espiritualizado? Tem fé?
A fé pessoal e a ação do Espírito Santo
Criador da logoterapia, Viktor Frankl, psiquiatra judeu, preso num campo de concentração, testemunhou sobre a importância do acreditar. Ele sobreviveu aos campos de concentração por causa da sua fé pessoal em Deus que lhe dava e mostrava o sentido da vida. Agarrou-se as promessas dos salmistas, como: Salmo 42 – como a corsa anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus; Salmo 63 – tu que és o meu Deus, eu te busco intensamente; a minha alma tem sede de ti! Todo o meu ser anseia por ti, numa terra seca, exausta e sem água; Salmo 143 – como a terra ávida, tenho sede de ti.
Viktor Frankl, que aos 37 anos já tinha doutorado em medicina, chamado o "médico do vazio existencial", não se "envergonhou de crer na existência de Deus como pessoa e mostrar que essa existência está arraigada no interior de qualquer um, em qualquer lugar e em qualquer tempo" (Revista Ultimato - edição 327). O amor próprio, quando ancorado em áreas mais profundas, espirituais, não pode ser abalado facilmente, dizia ele. Um exemplo disso é Jó.
Porém, para não sermos enganados a toda hora por novos ventos de "doutrina", ou "espiritualidade", é preciso que o Santo Espírito, o Consolador, nos lembre, instrua e ensine.
Em 2 Timóteo 3.14-17, Paulo lembra o seu discípulo Timóteo que é muito bom que ele, desde a infância, saiba as Sagradas Letras, as quais o tornaram sábio. Essa Palavra é útil para o ensino, repreensão, correção e para educação na justiça. O mestre Paulo destaca o valor de um bom fundamento e lastro espiritual para enfrentar as frustrações, dificuldades e tentações da vida material e espiritual.
Enfim, a ação do Espírito Santo é a verdadeira obra de espiritualização em contraposição à atribuída aos espíritos de criaturas humanas.
O Santo Espírito de Deus age na Palavra quando, onde e como Ele quer; não permitindo "manipulações espirituais" por parte de obreiros bem ou mal-intencionados.
Infelizmente, em nome da fé, da religião e de Deus, as maiores barbáries e atrocidades já foram cometidas. Por exemplo, as cruzadas, as seitas fanáticas, o suicídio coletivo, o terrorismo, a manipulação de massas, etc. "A melhor máscara", disse alguém, "é a religiosa". Até o diabo a usou ao tentar Jesus, citando as Escrituras, tentou seduzir "revestido de espiritualidade". Portanto, espiritualidade pode ser uma "isca na ponta de um anzol" que leva à morte espiritual.
Na pirâmide das necessidades humanas, Maslov identifica a necessidade de sentido de ser, de propósito de vida. Às vezes, sentimos saudade "não sei do quê", um anseio e desejo pelo inexplicável, pelo indescritível, pelo mistério. O homem é "estruturalmente" religioso. Por esse motivo, as recentes pesquisas científicas atestam que "faz bem acreditar" em algo superior. Os gurus do "otimismo religioso" ou da autoajuda espiritualizada vendem bem seus produtos. A visão de que o ser humano é um todo físico, psicossocial e espiritual está confirmada. A assistência espiritual aos enfermos hospitalizados, com certeza, pode ser traduzida em resultados de consolo. Faz bem acreditar, ter fé! Até tem resultado financeiro, pois economiza medicamentos.
O desafio missiológico
Com certeza, a Índia é extremamente espiritualizada e religiosa. Até "exporta" "gurus da meditação" e sua cultura é inconfundível (novela Caminho das Índias, por exemplo). Porém, nós costumamos dizer que "Deus é brasileiro". Sem dúvida, nosso povo é profundamente religioso. Observe quantos gestos ritualísticos de sinal da cruz fazem os jogadores e juízes de futebol. Essa religiosidade brasileira é multiforme, sincretista, com ingredientes das heranças indígenas, africanas, católicas, ibéricas, acrescidas desde o século XIX de influências do protestantismo europeu ou norte-americano e do espiritismo europeu (kardecista).
A profusão do espiritismo e da religiosidade afro-brasileira já há tempo ocupa e desafia as igrejas cristãs. Como se posicionar a partir do Evangelho de Jesus Cristo? A matéria exige reflexão e estudo, afirma Gottfried Brakmeier, renomado teólogo luterano.
Na religiosidade kardecista, budista e hinduísta, estão presentes as leis do carma. Aí, a salvação acontece somente pelo pagamento das dívidas cármicas, através do sofrimento e da caridade, em inúmeras e sucessivas reencarnações. Exclui a justificação e salvação somente pela graça, através da morte e ressurreição de Jesus Cristo, testemunhada pelo Novo Testamento. "Para esses grupos, Jesus apenas representa um bom mestre entre muitos outros, mas não é o filho de Deus, que veio libertar de toda e qualquer tentativa de autossalvação" (Ingo Wulfhorst). Confira Colossenses 1.13-20.
Está aí o desafio missiológico por excelência: encontrar pistas e dicas para uma ação pastoral. É preciso fazer algumas perguntas: o que temos esquecido ou omitido em nosso testemunho cristão no contexto brasileiro? Que necessidades precisam ser atendidas, supridas? Que aspectos do nosso ser Igreja precisam ser resgatados ou relegados a segundo plano? Como testemunhar a espiritualidade verdadeira, centrada naquele que é Espírito (Jo 4.24)?
O sentido da vida, só na verdadeira espiritualidade
Nestes tempos, a pergunta pelo alvo, o sentido da nossa vida, precisa ser retomada. Não basta só ganhar dinheiro ou ter posição de prestígio – a frustração, o vazio e o nada estão presentes em vidas bem sucedidas materialmente. Faltará aí a espiritualidade? Quem sou eu sem as minhas funções? Esta é a última pergunta: para que, afinal, se vive?
Um filósofo marxista observou que a maioria das pessoas sofre do vazio da vida e que, portanto, "se precipitam de um divertimento a outro, de uma atividade a outra". No entanto, quem "vive sem o diálogo interior", diz o mesmo pensador, "vive sem si mesmo" e perde o seu EU em coisas e funções externas. Seria isso a desespiritualização? O secularismo? O ser humano encurvado em si mesmo?
Não se consegue calar a pergunta pelo último fundamento perene da vida. Fazem-se exigências à vida, as quais a vida real não corresponde. Estaria aí a raiz da disposição ou tendência do ser humano para a espiritualidade? Nem só de pão e sensações (diversão) ele vive, não é verdade?!
No Natal, Deus se encarna, se materializa na pessoa de Jesus Cristo e convida para viver a verdadeira espiritualidade no dia a dia do material. A verdadeira fé (espiritual) é ativa no amor (material, concreto, visível e real).
Parece-me que na espiritualidade de "baixo para cima" (Babel), centrada e motivada pelo homem, cada um dela se serve como lhe convém. Decide-se qual espiritualidade que mais se adapta ao seu modo de ser. Nesse caso, a criatura brinca de Criador, pois não deixa Deus ser Deus. Deus, que é espírito (Jo 4.24), é a fonte e o centro de toda espiritualidade verdadeira, amarrada somente às Escrituras, somente à Graça e somente a Cristo.
Lutero faz uma reflexão sobre a espiritualidade que serve de contraponto nesse tema. Ele diz: "Tudo que é demasiadamente espiritual é carnal". Em resumo, a espiritualidade engana ou pode ser usada para mentiras.
Concluo lembrando que a congregação cristã, como corpo de Cristo, é a melhor agência da verdadeira e autêntica espiritualidade. Não há nada igual ao povo de Deus reunido ao redor de Sua Palavra. Nada!
Viver essa afirmativa é o permanente desafio e missão de todos os cristãos e de todas as congregações cristãs do mundo. Deus nos ajude nesse propósito."
Gerhard Grasel
Pastor, Capelão Geral da ULBRA
Pastor, Capelão Geral da ULBRA
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